Há pessoas que sentem com todas as células que compõem o seu humano corpo. E essas pessoas cultivam em mim uma certa curiosidade. Gosto da forma como querem resolver o que outros julgam impossível, só porque o sentimento que as define as faz acreditar. Gosto da forma como querem desvendar os mistérios no coração dos outros. Gosto da forma como os querem entender, como se compadecem das suas dúvidas e perdição. Gosto da forma como são, estupidamente, humanas.
Como sentem com o corpo, quando se trata daqueles sentimentos menos fervorosos, daqueles que por vezes machucam, há toda uma resposta traduzida em forma de lágrimas, impaciência no olhar, ritmos cardíacos alucinados, por vezes até rash cutâneo. E não, não estão a fazer de propósito para serem notadas... é-lhes completamente inerente e não conseguem controlar... mas vão tentando aprender. Essas pessoas que sentem com o corpo, sentem em demasia, querem sentir em demasia, necessitam dessa demasia. Não conhecem outra forma de ser, de agir. Mas nem sempre são entendidas. É fundamental esclarecer que essas pessoas não têm a prepotência de achar que essa forma de viver é única. Sabem que não é, respeitam isso, como necessitam que respeitem e aceitem a sua forma de sentir.
É certo que é muito mais difícil de reparar uma pessoa que sente com o corpo, porque quando adoece o sentimento o corpo ressente-se, e muito. É muito mais sufocante, e até mesmo desgastante, uma pessoa comportar em si esta característica. Por vezes, chego a achar que é mordaz, exageradamente perfeccionista e até mesmo psicótica a necessidade de sentir tudo. Mas admiro-as. Admiro a honestidade, a transparência, o desafio que nos deixam no ar. Gosto destas pessoas porque dificilmente escondem intenções maquiavélicas. Estas pessoas odeiam jogos de intenções. Odeiam ter que supor, odeiam questões dúbias. Fogem dos mal-entendidos e, principalmente, são fiéis, compulsivamente fiéis, ao sentimento que ousam partilhar. A segurança que nos dão é tão relaxante, cultiva nos mais íntimo de nós a confiança nelas e, muito raramente, criam em nós expectativas defraudadas.
Eu gosto destas pessoas e quero-as ardentemente na minha vida. Elas ensinam-me a promover a leveza, ensinam-me a respeitar o que sinto, da forma que sinto, mesmo que ilógico aos olhos da maioria. Elas obrigam-me a encarar os erros como aprendizagem e a perceber que o sentimento provocado, por mais penoso que seja, é também libertador do meu medo incontrolável de sofrer. É nelas que busco a força para, dia após dia, consolidar a força para fazer jus ao que verdadeiramente sinto, ao que verdadeiramente sou. Gosto da ideia simplista que ostentam: são o que são, sentem o que sentem, sem pudores ou necessidade de explicação. Dizem as más línguas que são pessoas mais frágeis, mais expostas ao perigo, menos protegidas e, portanto, sofrem mais e vivem mais o sofrimento. Mas porra... sentem tudo na vida como deve ser! São vivas. São cativantes. São desafiantes. Corre-lhes nas veias a vontade de lutar por um mundo com pessoas mais humanas. Querem que, no decorrer da vida, haja quem se deixe encantar.
Eu sou uma dessas pessoas. Estou encantada. E ontem recomeçou algo que tenho vindo a perder: o respeito pelo que sinto, como sinto, quando sinto, mesmo que incomode. Foram lágrimas, porque foram, públicas, mas tão honestas quanto libertadoras. Porque estavam acumuladas, precisavam de sair e foram provocadas por quem me quer bem. Não me envergonho. Já disse que gosto de quem sente com todas as células do seu corpo?