sexta-feira, 25 de outubro de 2013


Na minha profissão ensinaram-me a servir o próximo como a mim mesma. Ensinaram-me o valor das vidas que me procuram diariamente para as ajudar a melhorar a sua saúde. Ensinaram-me a importância da empatia com os utentes, atitude necessária para criar laços. E, dia após dia de convivência, os utentes passam a ser os "meus utentes". Acompanho um percurso clínico mas também acompanho vidas. As ligações humanas estabelecem-se, o cuidado e preocupação surgem naturalmente. Ensinaram-me muita coisa mas não me ensinaram a perdê-los. Quando acontece, instala-se a tristeza própria da perda. Tantas vezes, a essa tristeza, vem acoplada a nostalgia de memórias tão próximas. Mas, o que nos resta à alma, é o consolo da certeza de que as histórias de vida que um dia nos contaram são lições que, quase sempre, nos tornam pessoas mais compreensivas, mais tolerantes à diferença, mais atenciosas, mais humanas. Ensinaram-me muita coisa mas não me ensinaram a perdê-los. Para sempre. Ontem morreu o Senhor Salvador, a pessoa mais educada que alguma vez conheci. Escolheu esse fim. Pôs fim a um sofrimento insustentável de crises depressivas, manias e obsessões das quais tinha plena consciência. Um dia questionei-lhe há quanto tempo tomava a mesma medicação, visto ser potentíssima e ele não apresentar melhoras significativas. Esteve a falar comigo mais de hora e meia porque não tive utentes nesse espaço de tempo. Partilhou comigo que, se não fossem aquelas pílulas milagrosas, nunca teria chegado aos 74 anos vivo. Reconheci-lhe a força. Ele falou do que quis falar e eu deixei. Fiquei a gostar daquele senhor "mudo" e com um sentimento de preocupação no coração. Perguntava sempre por ele. Temi por aquela alma, tão confusa e com tanta fobia dos humanos, que me obriguei a voltar a viver um passado não muito distante. Continuo com medo que os mais próximos não nos consigam ajudar quando a dor e a perda são imensas. E ele não aguentou mais. Perdemos o senhor Salvador agora, mas ele próprio já tinha deixado escapar-lhe a alma há imenso tempo. Via-se no olhar, por mais que não se quisesse acreditar. Até sempre!*

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