Alarmado com a quantidade de participantes num fórum radiofónico que defendia a tese de que os artistas do Charlie Hebdo estavam a pedi-las. E que a liberdade de expressão deve ter limites e controlo. Um dos crimes dos monstros que mataram ontem aquelas pessoas foi terem adormecido o artista livre que havia nelas; o outro foi terem acordado o ditador fascista que há noutras.
Quando os cartoonistas de um jornal como o Charlie Hebdo retratam profetas que é proibido retratar, há que ter a inteligência de perceber que não é com os profetas, não é com os deuses que é feita a piada. É com muitos dos homens que os seguem cegamente e cometem atrocidades em nome deles. É ofensivo? Para alguns, talvez. Todo o humor acaba por sê-lo para alguém, de uma maneira ou de outra - o riso é sempre às custas de alguém ou de alguma coisa; faz parte do conceito e da arte da comédia.
Às vezes parece que aos potenciais ofendidos falta segurança na sua crença ou na sua convicção. Gente segura de si, daquilo em que acredita, não explode de fúria com um cartoon. As reacções extremas contra o humor, seja a um número do Charlie, um episódio do South Park ou um cartoon do António parecem por vezes basear-se em insegurança pura.
E sim, se Deus existe - seja o Deus que for - tem sentido de humor. A prova disso? Nós. A sua criação. Somos todos ridículos, e todos o sabemos bem, por muito que alguns de nós o tentemos esconder. Deus é dos maiores autores de sitcom de sempre. |Nuno Markl|