... lembro-me como se fosse hoje, arrepio-me como se fosse hoje! Numa altura em que o futebol era um dos meus grandes vícios, numa altura em que perder um minuto de qualquer jogo do Benfica era impensável, nunca esquecerei a noite de 25 de Janeiro de 2004. A módica quantidade de 16 anos não me fazia dotada de nenhuma maturidade para lidar com o que foi sucedendo. Todo e qualquer jogador do Benfica era considerado um ídolo e faziam parte de uma porta de armário recheada de craques, nos quais tinha orgulho. Sabia os nomes, os números, as posições. Achava-os mais giros do que propriamente percebia do futebol que jogavam, mas isso são contas de outro rosário. Por isso, este último sorriso, seguido da forte dor, do abaixamento, e da queda desamparada naquele tapete verde são imagens que, 8 anos volvidos, continuam tão reais como quando as vi. Sim, porque num café com mais de 10 pessoas, eu fui a única que reparou no que aconteceu em tempo real. A euforia da vitória que se vivia era celebrada entre minis e chouriça assada, num misto de decifrar o futuro do clube e pôr a conversa em dia. Quando as lágrimas me começaram a correr 4 a 4 pelo rosto fora, saindo da minha boca um "Ele morreu!" histérico, acredito que todos puseram em casa a minha sanidade mental. Até os meus pais! Mas logo repararam no aparato. Só me lembro de chegar a casa e ir rezar. Pedir 30.000 vezes para que ele não tivesse morrido de facto. Liguei o rádio. Em todo o lado se falava dele. Liguei a televisão. Vi e revi, para cima de muitas vezes, aquela sequência de imagens. Sorriso, abaixamento, queda desamparada. Sorriso, abaixamento, queda desamparada. Mais rápido, mais lento. Sorriso, abaixamento, queda desamparada. E chorava. Entretanto confirmou-se o óbito. Lembro-me que nessa noite não dormi. E que me levantei mais despedaçada do que me deitei. Mas, ao saber-se que poderia ter ficado como um "ser vegetal", ou incapacitado demais, alguma paz e aceitação assolaram o meu coração.
Eu sei que ele não é ninguém da minha família. Eu sei que não o conhecia. Sei também que pode ser aos olhos de muitos uma sequência de reacções exageradas da minha parte. Mas o que é certo é que todos nós assistimos à morte de uma pessoa em directo. E não é possível ser-se indiferente a tal. A minha (i)maturidade dos 16 anos não me deixava ter crescimento interior para lidar com uma situação penosa deste grau, é certo.
Deparei-me cedo demais com a fragilidade da vida humana. Consciencializei-me cedo demais que a vida é efémera. Aprendi cedo demais a "não deixar nada por dizer, nada por fazer". Construí cedo demais uma personalidade exigente, sedenta e auspiciosa, que cada vez se foi tornando mais exigente, sedenta e auspiciosa.
Se as estrelas são almas que nos vão iluminando os dias, esta, com toda a certeza, faz parte do meu céu.